Entrevista com Dr. Ricardo Herbert Jones, Porto Alegre, RS, médico que trabalha há 6 anos em parceria com doula e parteira -


Dr. Ricardo Herbert Jones é médico ginecologista, obstetra e homeopata em Porto Alegre, RS, onde já atendeu a mais de 1500 partos em 17 anos de profissão. Adepto do parto natural e um grande entusiasta do parto humanizado, é também um dos líderes na discussão sobre a melhoria da qualidade no atendimento às parturientes. É membro da Rehuna, consultor médico das Doulas do Brasil e do grupo Amigas do Parto. Trabalha há 5 anos em parceria com a doula Cristina Balzano e com sua esposa, a enfermeira obstetra Neusa Jones. Dr. Ricardo nos deu essa entrevista onde explica como se formou e quais as vantagens dessa parceria.

Doulas do Brasil: Por que e como você começou a utilizar o serviço de uma doula em seus atendimentos de parto?
Ricardo H. Jones: O início de minha parceria com as doulas coincide com a época em que a Cristina Balzano Guimarães, doula que trabalha comigo, começou a atuar nesta área. Há muito tempo conversávamos sobre a possibilidade de oferecer um suporte às pacientes que entram em trabalho de parto e que sofrem, psicologica e corporalmente, com as angústias, o medo, a tensão e a dor.

DB: O que é importante para que uma mulher se torne uma boa doula?
RHJ: Cristina, por exemplo, tem uma experiência muito positiva a esse respeito: fez formação universitária em fisioterapia. No nascimento do seu primeiro filho foi auxiliada por uma grande doula, a Fadynha no Rio de Janeiro. O segundo ela teve com a minha assistência, já em Porto Alegre. Com isso ela associou as suas vivências de parto e sua formação acadêmica com a intimidade que estabeleceu comigo, com meu trabalho e com minha atitude junto às as gestantes e parturientes. Esta mistura de aprendizado acadêmico com a vivência da parturição produz a moldagem perfeita para este trabalho.

DB: Como foi o início dessa parceria?
RHJ: O início do trabalho conjunto foi como um enamoramento. Primeiro algumas pacientes faziam pré-natal comigo e depois iam fazer grupo de gestantes com ela. O contrário também começou a acontecer: primeiro a entrada nos grupos e um posterior encaminhamento a um obstetra que seguisse o modelo de trabalho que a Cristina aconselhava. Hoje em dia praticamente todas as minhas pacientes recebem no trabalho de parto a assistência da doula e da parteira. Nossa parceria produziu uma profunda reformulação conceitual na minha prática, pela introdução do componente feminino no trabalho. E quando se vê o resultado desse trabalho não há mais como voltar atrás.


DB: Qual o maior benefícios da presença de uma doula para a mulher que está sendo atendida?
RHJ: O contato da feminilidade produz um clima de intimidade, carinho, afeto e acima de tudo segurança. As mulheres estabelecem entre si um vínculo poderoso e mágico, que a minha masculinidade não pode atingir. A intimidade psicológica, a sintonia e a confiança que uma parturiente estabelece com uma doula é algo maravilhoso, e os resultados catalogados no mundo inteiro reforçam nossa convicção de que este é um caminho frutífero para o estabelecimento de uma nova postura diante do parto e do nascimento.


DB: Que benefícios você, como médico, tem quando a sua cliente contrata uma doula para acompanhá-la no parto?
RHJ: A diminuição da minha ansiedade, da pressa, da angústia, do medo e de todas as intervenções médicas decorrentes secundariamente destes sentimentos. Hoje em dia minha taxa de episiotomia, fórceps, indução com ocitocina ou mesmo ruptura artificial de bolsa de águas é praticamente zero. Minha taxa de cesarianas está num nível dentro dos parâmetros da OMS (abaixo de 15%) e muito desse resultado devo à parceria que estabeleci com a doula e a parteira que me acompanham.

DB: E antes?
RHJ: Quando eu fazia o mesmo trabalho, e sob os mesmos pressupostos ideológicos (parto verticalizado, sem episiotomia, uso restrito de drogas e intervenções, presença de uma pessoa de livre escolha da mãe, etc...), meus resultados não eram tão bons como são hoje com o auxílio prestimoso das doulas. Certamente que a ajuda destas profissionais pode produzir uma modificação vigorosa nas práticas hospitalares, aproximando nossos índices daqueles preconizados pela OMS e outras entidades que tratam da questão do parto. A entrada das doulas no cenário do parto produziu um "plus" de qualidade, ao incorporar um toque de feminilidade e intimidade, arrancando o nascimento da sua vinculação com o tecnicismo e a alienação.


DB: Pela sua experiência, de que forma a doula interfere na participação do pai durante o parto?
RHJ: Diminuindo a tensão e a angústia dele. O pai pode ser um elemento desestabilizador do processo do nascimento, desde que esteja mal preparado psicologicamente para enfrentar este desafio. A doula, com sua afetividade, carinho, presença e suporte, pode oferecer ao pai a tranquilidade de que ele tanto necessita para se tornar um facilitador do parto para a sua esposa. Estando ele tranquilo, sereno e confiante, vai envolver sua companheira num campo vibracional de positividade e reasseguramento (ao invés de ser um "emissor de adrenalina", como diz Dr Michel Odent) interferindo, assim, positivamente no sucesso do evento.


DB: Como as suas clientes costumam avaliar a influência da doula em seus partos, nas consultas de retorno?
RHJ: É muito interessante. Várias vezes eu fiquei morrendo de ciúme do que elas falam das doulas. O encantamento, a vinculação e a gratidão são impressionantes. Existe uma cumplicidade verdadeiramente feminina, algo que soa como "Você me ajudou naquele momento. Você estava lá o tempo todo ao meu lado. Você presenciou meu choro, meu riso, meu medo e minhas lágrimas de alegria. Você me viu parindo meu filho, e este foi um dos momentos mais belos da minha vida. Estamos juntas, num elo de sangue e amor, para sempre." Fico emocionado quando elas me relatam isso, porque vejo uma coisa feminina, bela, amorosa. É algo que jamais esquecemos, e tenho certeza que estas pacientes jamais vão perder estas lembranças.

DB: Quais as desvantagens de ter a doula no cenário de parto?
RHJ: Não consigo perceber nenhuma, a não ser uma dissintonia entre paciente e doula. Como nunca tive esta experiência, não posso avaliar o grau de problemas que ela poderia produzir, mas acho que uma paciente bem preparada emocionalmente para o nascimento de seu filho deve ter inclusive a liberdade de dizer quando e como quer a presença da doula ao lado dela. Sem o protagonismo devolvido às mulheres, sem a participação efetiva delas na condução do seu parto, não existirá humanização do nascimento.

DB: No parto hospitalar, como fica a interação da doula com o resto da equipe que atende o parto?
RHJ: Bem, deveria ser a melhor possível, visto que a doula é uma componente da equipe multidisciplinar que vem somar-se aos esforços de dar mais segurança e conforto para a paciente. Infelizmente nossos hospitais nem sempre são lugares adequados para o nascimento de crianças. No lugar de colaboração encontramos com freqüência competição, vaidades atingidas e pequenas sabotagens.

DB: Dê-nos um exemplo
RHJ: Um dos hospitais em que atendo na minha cidade proibiu o atendimento da doula, e não por acaso este hospital tem 76% de cesarianas e coloca restrições à presença de familiares da paciente nas salas de parto. Mesmo sendo um hospital luxuoso e moderno, a matriz ideológica que sustenta suas condutas é anacrônica e equivocada. Ainda há um grande caminho a ser percorrido, mas as orientações da OMS, e agora do Ministério da Saúde, nos deixam com um pouco mais de esperança de que num futuro próximo tenhamos um acesso mais facilitado de doulas a todos os hospitais brasileiros.

DB: Como fica a atuação da doula, caso seja necessária uma cesárea?
RHJ: Da mesma forma que num processo longo e cansativo de um trabalho de parto, num processo curto e dramático de uma indicação de cesariana a presença da doula é muito importante. Ela pode ser o elo que conecta a paciente à realidade. Diante da frustração de não ter alcançado seu objetivo de parir de forma natural, ela pode se desestabilizar e acionar seu sistema adrenérgico, fazendo com que sua pressão suba e seu coração fique acelerado. Embora extremamente banalizada em nosso país, a cesárea é uma cirurgia, e como tal pode ser um evento traumático.

DB: Como a doula pode amenizar essa situação?
RHJ: A doula poderá oferecer suporte físico e emocional, fazendo com que a parturiente se acalme, entenda a necessidade da cirurgia e comece a fase de adaptação a esta nova realidade. Uma cesariana é sempre uma cirurgia que precisa ser bem "digerida" psicologicamente. A doula fará esse trabalho de adequar a paciente desde o momento da indicação até os primeiros dias em casa, nos cuidados consigo e com seu bebê. É uma atuação fundamental, porque enquanto o médico se prepara para as questões técnicas da cirurgia, muitas vezes a paciente fica isolada e desprotegida, tendo que enfrentar solitariamente esta tarefa. Isso pode ser um choque, mas a presença de uma doula ao lado dela pode lhe dar a segurança para entender o que está acontecendo, e para fazê-la sentir-se mais tranquila e confiante.

DB: Em suma, defina uma Doula.
RHJ: Doulas são amortecedores afetivos. Funcionam para proteger as pacientes das inúmeras provas, dúvidas, angústias, às quais ela é submetida durante o nascimento de uma criança. Uma decisão por cesariana é apenas uma delas. E é muito importante que a doula esteja preparada para oferecer este auxílio. O nascimento humano provoca uma gama de sentimentos que normalmente não experimentamos no nosso dia-a-dia. É um momento muito mágico e muito poderoso. Por isso, as pessoas que estão presentes neste momento, são imantados de uma energia muito especial, que impregna seus corpos e almas com uma luminosidade lilás e brilhante. As doulas, mulheres como as parturientes, são abençoadas com a dádiva da cumplicidade, e recebem como prêmio a gratidão eterna.

Porto Alegre, maio de 2002.

Dr. Ricardo Herbert Jones é ginecologista,
obstetra e homeopata, mora e
atua na cidade de Porto Alegre, RS

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